sexta-feira, 2 de maio de 2008

O canto da cabana de tecto de palha

"Construi um retiro solitário de palha onde não há nada de valor.
Depois de comer, espojo-me e dormito.
Quando a cabana foi terminada, a erva brava apareceu.
Agora ela alastrou sobre a cabana e recobriu-a.
O homem no retiro solitário vive aprazivelmente
sem entrave interior nem exterior.
Lá, aonde vivem os homens vulgares, ele não quer viver.
O que amam as gentes comuns ele não partilha.
Se bem que a choupana seja pequena, ela contém o universo inteiro.
Em cerca de dez pés quadrados um velho homem ilumina as formas e a sua essência.
Um bodhisattva do Grande Veículo dispõe de uma fé absoluta.
Os homens do mundano não podem impedir-se de duvidar:
Esta choupana perecerá ou não?
Perecível ou não, o mestre original frequenta-a
E não reside nem no norte, nem no sul, nem a este, nem a oeste.
Enraizado na perseverança, isso não poderá ser suplantado.
Uma janela brilhante sobre abetos verdes não pode ser comparada
Nem aos palácios de jade nem às torres rubras.
Permanecendo assim, de cabeça sobrevoada, todas as coisas estão em repouso.
Assim, o monje das montanhas, de tudo nada mais compreende.
Vive lá, aonde mais nenhum esforço faz para se libertar.
Quem poderia com arrogância dispor de solo-de-assento para seduzir discípulos?
Dirijam vossa luz para o interior e façam meia-volta.
A fonte infinita e inconcebível não pode ser afrontada nem evitada.
Reencontrem os velhos mestres e sejam intímos com seu ensinamento.
Atem as ervas para construir uma tenda e não a abandonem jamais.
Deixem passar os séculos e distendam-se plenamente.
Abram as vossas mãos e marchem inocentemente.
Os milhares de mundos e a infinidade de conceitos
Não existem senão, somente, para vos libertar sob a choupana,
Aqui e agora não se evadam deste saco de pele."

Shitou Xiqian (700-790)

In: Pierre Crépon, Les Fleurs de Bouddha, Paris, Albin Michel, 1991, p.261.

Versão-tradução-livre: L.B.T.

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