sexta-feira, 22 de agosto de 2008
" (...) Automaticamente (...) "
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Ecos do Silêncio — Textos Zen
Bodai Shin, a Mente do Despertar
Taisen Deshimaru Rôshi
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Que é o despertar? Compreender-nos a nós mesmos. Quando estamos despertos, já não precisamos procurar nem fazer esforços vãos. A maioria das pessoas procura sem cessar, à direita, à esquerda, nos livros, através de práticas complicadas, etc.... Mas isso é baldado. É possível ir correta e diretamente, seguindo a ordem cósmica. Em nossa civilização, todos os fenômenos da vida corrente, da vida social, da economia nos colocam contra a vida cósmica; daí devermos, às vezes, regressar às origens, à vida primitiva e original.
Se a produção da mente não for correta, em vão nos esforçaremos em todas as práticas possíveis.
Se despertardes para o poder cósmico fundamental, estareis despertando para vós mesmos, compreendendo intimamente a vossa natureza profunda.
Se a mente da nossa vida cotidiana e o Caminho não estiverem em harmonia, nosso corpo e nossa mente não estarão em paz. A verdadeira mente, a mente autêntico de Buddha, a mente cósmica, é muito semelhante à lua, ao passo que o meio é semelhante à superfície da água, à corrente. As ilusões, por sua vez, se parecem com o reflexo da lua na água.
Todas as existências têm a verdade em si mesmas, exprimem o estado real da verdade universal.
Abandonar, esquecer, rejeitar o próprio corpo e a própria mente.
Shin jin datsu raku. Bastará que nos atiremos de novo na casa, na família de Buddha para que, nesse momento, o Buddha ajude, controle e dirija. Quando seguimos o Buddha, não precisamos utilizar o nosso poder pessoal, não precisamos fazer nenhum esforço voluntário, por vontade própria.
Podemos tornar-nos Buddha, inconsciente, natural, automaticamente, destacados da vida e da morte.
A postura, o vosso próprio zazen é Deus ou Buddha. Não há Buddha objetivo ou Deus no exterior, do outro lado. Há um Deus ou um Buddha subjetivo, no interior de nossa mente, em nós mesmos. Nosso próprio ego é o Deus, o Buddha eterno. Não nascemos nem morremos.
Praticar o zazen mushatoku, sem finalidade de lucro é a verdadeira pureza, a verdadeira força. Por vezes, surgem ilusões, mas elas passam como os sonhos, ou como as nuvens diante da lua. As ilusões são o mendigo que vos importuna sem parar. Por mais que o escorraceis, ele volta sempre, cada vez mais. No fim, porém, ele desiste; vós vos voltais para expulsá-lo ainda uma vez, ou para aceitá-lo, e já não há ninguém... É o satori.
Pegar somente a raiz original e não se preocupar com os galhos.
Por meio do zazen, todos os fenômenos da mente tornam-se o cristal, o Vazio, Kû, e refletem o luar.
Esquecer o próprio corpo e o própria mente pessoal: é a mente absoluta, o não-ego. Harmonizar, fundir o céu e a Terra. A mente interior deixa passar pensamentos e emoções. Totalmente livre do seu meio. O ego é abandonado. Tal é a origem das filosofias e religiões da Ásia. A mente e o corpo, o exterior e o interior, a substância e os fenômenos: esses pares não são dualistas nem opostos, mas formam uma unidade sem separação. Quando a atividade da mente enche o cosmo, e quando sabemos agarrar a oportunidade que se oferece, dispomos de todos os acontecimentos variáveis, evitamos todos os acidentes e atacamos as dez mil coisas numa só. Nossos sentidos e nossas impressões não podem apreender realmente a natureza original da existência. Quando a captamos pelos sentidos, a matéria objetiva não é real, não é a verdadeira substância, senão imaginação.
Os problemas difíceis são diferentes para cada um, e cada um tem necessidade de um meio diferente para resolver seus problemas Precisamos criar nosso próprio método. Se nos enganamos, nós mesmos temos de criá-lo.
As grandes obras de arte são criadas além da técnica. No mundo da tecnologia e da ciência, os grandes descobrimentos nascem, provêm de além dos princípios e das técnicas. Não devemos apegar-nos a uma idéia só, a uma categoria, a um conceito. Da idéia à ação devemos alcançar a verdadeira liberdade.
Não devemos pensarNo antes e no depoisPara a frente, para trásSomente a liberdadeDo ponto do meio.
Que é Bo Dai Shin? É o caminho. Não penseis. Não procureis. Não desejeis. Não guardeis. Não obtenhais. Não abandoneis. [...]
Não devemos pensar em ganhar, mas também não devemos ser vencidos. Como resolver a contradição? É difícil. Nem Kontin, nem Sanran, nem torpor, nem excitação. É o Caminho do Meio do buddhismo. Ir para a direita ou para a esquerda é fácil, ganhar ou ser vencido é fácil também. Mas não ganhar e não ser vencido é muito difícil.
Quando a nossa mente se torna iluminação, sem ego, iluminação invisível, samadhi, todo desejo e toda ambição desaparecem. Não sobra nada. É a última estação da nossa vida, o ponto zero. Cumpre retornar a esse ponto, a esse estado mental interior pois, do contrário, a vida é difícil. Não há necessidade de procurar uma posição social, dinheiro, família. Não há necessidade de expor aos outros o fato de estarmos sós diante de nós mesmos, nem há necessidade de agir sempre assim. É uma decisão interior e pessoal. A verdadeira verdade. Desse modo, a vida se torna leve qual nuvem branca.
Se seguirmos o Buddha, sua energia e sua atividade, não precisaremos utilizar nossa própria energia nem nossa força pessoal, nem dispersar nossa consciência, nossa mente. Finalmente, poderemos tornar-nos Buddha sem nos separarmos da vida e da morte. Dai o não devermos ficar, nem estagnar-nos na mente, nem aferrar-nos a ela.
Nossa energia, nossa mente se harmonizam com a energia cósmica, e a energia cósmica infinita dirige nossa própria energia. Podemos, então, dirigir as dez mil coisas numa só. Podemos ser verdadeiramente livres, graças à energia infinita do cosmo, verdade invisível.
O estado de samadhi é um estado delicado, em que o corpo não sente nada além da paz perfeita na alegria profunda.
A mente de samadhi é muito semelhante à chama da vela numa sala fechada, quando rompe a escuridão e alumia os objetos em volta.
Na relação entre o corpo e a mente, o material e o espiritual, o ego e os outros, nós mesmos e a sociedade, nós mesmos e todas as outras existências, a natureza, o cosmo, cada coisa é como o verso e o reverso de uma folha de papel. Não há nada impuro entre cada uma das faces. A impureza é o demônio.
Originalmente, não há demônio entre Deus ou Buddha e nós mesmos. Os dois são completamente íntimos e estão em unidade. Mas quando intervém o demônio [ego] impuro, os dois se tornam relativos e dualistas. O demônio da impureza cria discórdias entre Buddha e nós mesmos.
Pensamos comumente nas coisas da natureza: terra, rio, sol, lua, estrela, como coisas exteriores à nossa mente, mas, na verdade, elas são a própria mente. Não imagineis, contudo, que isso signifique que todas as coisas estão somente no interior da mente.
Abandonar as noções de exterior e interior, de ir e vir. A mente individual não está fora nem dentro. Vai e vem livremente, sem apego. Um pensamento é montanha, água, terra. O pensamento seguinte é uma nova montanha, uma nova água, uma nova terra. Cada pensamento é independente, novamente criado, vital e instantâneo.
A mente indiviso não se refere ao grande nem ao pequeno, ao próximo nem ao distante, ao ser nem ao não-ser, ao ganho nem à perda, ao reconhecimento nem ao não-reconhecimento, ao satori nem ao não-satori, à ilusão, à vida ou à morte.
A mente indiviso está além dos opostos. Portanto, o estudo da mente é o Caminho para atingir a ação estável e indivisa, além de todos os mundos da relatividade.
Todo a nossa mente-corpo é Kû, que originalmente não aumenta nem diminui, não nasce nem morre.
Por vezes, em nossa vida real e em nossa morte, desejos de nirvana ou de outras coisas nos fazem desenvolver a mente de Buddha. Não devemos esperar um momento ou um lugar especial para realizar a mente de Buddha. Esse mente nunca depende do tempo ou do lugar, nem tampouco das capacidades intelectuais. Porque a mente do despertar é a origem de toda a atividade real, aparece natural e automaticamente por si mesmo. Não pode ser definido pela existência nem pela não-existência, pelo bem nem pelo mal, nem pelas circunstâncias, pelos lugares ou pelos karmas passados.
Nessa vida e nessa morte está incluída a nossa vida real, a vida de todos os dias, com seus sofrimentos, sua tristeza, suas desgraças, suas dificuldades e também sua alegria e sua oportunidade. Mas a verdadeira mente do despertar manifesta-se mais nos sofrimentos e na desgraça do que na alegria e na oportunidade. A felicidade é como a bolha.
Além do tempo e do espaço não há nem existência nem não-existência, nem bem nem mal, nem bom nem mau. É a eternidade. No mundo, porém, tudo é Mujô, sempre mudando. Para viver eternamente faz-se mister compreender a raiz, a fonte. Se quisermos limpar a embocadura de um rio, temos de remontar ao manancial. Para purificar a jusante urge purificar a montante.
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(Deshimaru, Taisen. O Anel do Caminho: Palavras de um Mestre Zen.
Textos reunidos e redigidos por Evelyn de Smedt e Dominique Dussaussoy;
tradução de Octavio Mendes Cajado. São Paulo: Pensamento, 1995. Pág. 79-83.
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