segunda-feira, 30 de junho de 2008

Não vos perdeis no futuro


Por vezes, quando o presente é demasiado difícil, projectamos a nossa atenção para o futuro, esperando que a situação melhore. Imaginando que o futuro será melhor, chegamos ao ponto de aceitar os sofrimentos e as provações do presente. Mas, noutras vezes, pensar no futuro pode suscitar temores e angústias; todavia, apesar disso, não podemos impedi-lo. A razão pela qual persistimos em visar o futuro, mesmo se não o queremos, é a presença de formações internas. Se bem que não estando ainda aí, o futuro gera fantasmas que nos assolam. De facto, estes espectros não são ainda produzidos pelo futuro ou pelo passado. É a nossa consciência que os cria. O passado e o futuro são criações da nossa consciência. As energias que subtendem os nossos pensamentos a propósito do futuro são as nossas esperanças, os nossos sonhos e as nossas angústias. As nossas esperanças podem ser o resultado dos nossos sofrimentos e dos nossos insucessos. Porque o presente não nos traz bem-estar, deixamos o nosso espírito divagar no futuro. Esperamos que a situação melhore. Discorrer desta maneira insufla-nos a coragem de aceitar a frustração e o sofrimento do presente. O poeta Tru Vu disse o futuro é a vitamina do presente. A esperança traz-nos algumas alegrias da vida que perdemos.
Sabemos todos que a esperança é necessária à vida. Mas, segundo o budismo, ela pode ser um obstáculo. Se investimos o nosso espírito no futuro, não disporemos de energia mental suficiente para fazer face e para transformar o presente. Naturalmente que teremos o direito de fazer planos para amanhã, mas agir assim não significa deixar-se ir no devaneio sonhado (rêverie). Enquanto concebemos projectos, os nossos pés encontram-se firmemente enraízados no presente. Podemos unicamente construir o futuro com a matéria prima do presente.
O ensino fundamental do budismo é o de libertar-se de todo o desejo para o futuro a fim de tornar ao presente com todo o nosso coração e todo o nosso espírito. Realizar o Despertar quer dizer acolher uma visão profunda da realidade do momento presente e encarar de frente o que então vem. Para bem suceder, devemos olhar com profundidade o que é e fazer a experiência da sua verdadeira natureza. Quando agimos deste modo, experimentamos a compreensão profunda, que poderá libertar-nos do sofrimento e da obscuridade. Segundo o budismo, o inferno, o paraíso, o samsara, o nirvana estão todos aqui, no momento presente. Tornar ao momento presente é descobrir a vida e realizar a verdade. Todos os Despertados do passado são trazidos ao Despertar no momento presente. Todos os Despertados do presente e do futuro realizam ou realizarão também o fruto do Despertar no momento presente. Somente este é real. «O passado já não é, e o futuro não é ainda.»
Se não permanecemos firmemente no momento presente, sentimo-nos desenraízados quando consideramos o futuro. Poderemos pensar que, no futuro, estaremos sós, sem morada onde nos refugiarmos e sem ninguém para nos ajudar. Tais preocupações respeitando ao futuro provocam apreensão, angústia e medo, e em nada nos ajudam a cuidar do momento presente. Elas tornam a nossa relação com o presente frágil e confusa. Confúcio havia dito que uma pessoa que não saiba fazer um projecto para o futuro longínquo estará perturbada e perplexa diante do futuro próximo. Isso lembra-nos que é necessário preocuparmo-nos com o amanhã, sem estarmos angustiados ou receosos a seu respeito. A melhor maneira de se preparar para o futuro é a de se ocupar bem com o momento presente, porque sabemos que se o presente é constituído pelo passado, então o futuro será feito do presente. Devemos simplesmente preocuparmo-nos com o momento presente. Somente este está ao nosso alcance. Estar atento ao presente é tomar zelo com o futuro.
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Thich Nhat Hanh, La Respiration Essentielle, notre rendez-vous avec la vie, Paris, Albin Michel, Spiritualités vivantes, p.135 e sgs, 1996.
Trad. :L.B.
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Comentário: Lugares comuns? Talvez não.
Texto simples, belo e tranquilizante.

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